A cena é típica: uma criança de dois anos e meio, birrenta, enjoada e destruidora. O ambiente é a sala da casa da avó, com a Tv ligada num programa dominical. A atração é o grupo de pagode Raça Negra. Estranho, eu sei. Eles ainda estão vivos.
O moleque não pára um segundo, e a avó, hesitando entre dar umas palmadas no neto ou enlouquecer de vez, resolve apelar pro psicológico da criança e fazer um pouco de medo saudável. Aquilo que nossos pais sempre fizeram conosco.
Só que em vez de ameaçar chamar o Bicho-Papão, a Cuca, o Boi da Cara Preta ou o vocalista do Los Hermanos, ela apela pro nada ortodoxo:
- Olha que eu chamo o negão da Tv!
A criança olha meio confusa pro aparelho.
- Tá vendo aí? A mão do negão vai já puxar o teu pé!
O garoto se cala que é uma beleza.
Seria ligeiramente engraçado se não fosse ligeiramente trágico. A criança pode desenvolver uma noção amedrontadora da raça negra (a etnia, não o grupo). Ou pode ter crises de choro quando vir um cavaquinho e mesmo sofrer de uma visão meio deturpada do pagode. Essa última, de fato, não seria assim algo tão ruim, convenhamos. Eu mesmo sinto um arrepio na espinha quando vejo uma propaganda do raça negra (o grupo, não a etnia), mas a gente tem que tomar cuidado com essas crianças. Já temos apresentadoras infantis loiras de olhos claros demais dizendo pra elas como só o que é natural é ser branco, bonitinho, morador do sudeste e filho de pais de classe média alta.
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Não sei bem se este post tem alguma moral ou lição, mas o fato é que eu lembrei de um amigo que contou uma vez:
- E tava minha avó lá, assistindo a missa do galo. Ela é muito religiosa, sabe? Muito religiosa e muito racista. Então, numa hora lá da missa entraram duas crianças negras pelo corredor da igreja, e a câmera mostrou bem de perto. Vovó apenas interrompeu a oração e disse: "Olha aí, dois macaquinhos!"
Essa daí, a primeira coisa que vai ver quando fechar os olhos é Deus.
É difícil.
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