É um negócio complicado essa tal família. Há uns poucos dias, meu pai pediu uma ajuda para um negócio fantárdigo: escrever uma curta biografia do meu avô.
Você me pergunta "seu avô é importante? Descobriu a cura pra alguma doença venérea? Inventou alguma máquina revolucionária? Tocava numa banda de heavy metal?", ou enfim, "ele fez qualquer coisa maneira?" Não, não fez. O lance aí faz parte de uma homenagem que a família quer fazer na comemoração dos 80 anos do cara, que vai ser no mês que vem.
O trabalho parecia simples... Só teríamos que pegar os relatos do homem e tacar no computador, pra depois mandar pra gráfica. Mas só parecia. O meu avô escreve pessimamente mal, colocando assuntos absurdos no meio de outros estapafúrdios. Então começou o nosso hercúleo (de hércules, sua mula) trabalho de organizar de forma plausível e - digamos - acreditável, todas as memórias estranhas do vovô Krash. Eu digo "acreditável" pq o cara mente pra caralho! Sério! E ele nos recomendou "não alterar muito os relatos importantes"... É uma escolha difícil: mudar as coisas que ele escreveu e enfrentar sua ira, ou não mudar nada e conviver com a humilhação de nossa família pelas próximas 3 gerações. Sim, pq ele quer que a porra da biografia seja distribuída para as pessoas mais próximas dele (leia-se "os amigos que ainda não empacotaram").
- Você está exagerando.
Eu?! Exagerando? Porra, assim você até me ofende... O lance lá é muito ruim mesmo. Sabe aquelas histórias malditas que seus avós já lhe contaram 3877689 vezes como se fosse a coisa mais legal do mundo? Pois o "livro" é cheio dessas maravilhosas passagens interessantes. Ele descreve meticulosamente tudo... E quando eu digo tudo, quero dizer tudo mesmo... Desde as missas em latim que ele assistia, até a vez em que foi expulso de um grupo da igreja por ter sido pego num baile de carnaval depravado (opa, essa parte é legal).
E quando ele diz como se apaixonou pela minha avó, mas logo após revela que todos estavam casando mais cedo naquela época pra não ir pra guerra? Putz.
...
Depois de ter passado por esse martírio de organizar as memórias do vô Krash, eu fiquei pensando em como não nos interessamos pelo que os outros passam. Muita gente fez algo bom, nobre, ou no mínimo engraçado na vida (nenhum desses três se adequa ao meu avô), mas ninguém dá a mínima, por pura preguiça ou falta de paciência. Estranho pensar que daqui a um tempo, tudo o que eu fiz...
- E o que você fez?
Er... cale-se. Tudo o que eu fiz não dirá respeito a mais ninguém, e os meus netos ficarão me ridicularizando quando eu ajeitar os suspensórios, sentar na poltrona e contar meus "causos".
- E teve aquela vez em que eu e a Lean fomos...
- Ah não! Lá vem ele contar contar aquelas lorotas de novo.
Nossa, que horrível.
Krash quer que o C&L seja transformado em livro no futuro. Mas só após a morte dele, que é para não receber as críticas.
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