Eu não sou uma pessoa sociável. Isso eu nem tento esconder. Mas às vezes eu fico pensando: "eu que sou estranho mesmo, ou algumas vezes as pessoas são meio idiotas?".
Nesse caso, ambas as alternativas servem como resposta.
- Puxa, tio krash... O que houve dessa vez?
Eu vou dizer o que houve. Vocês já foram a um baile de debutante? Ora, claro que já! Gostaram? Claro que sim. Comida farta, pessoas bem vestidas, música supostamente boa, sem falar no clima de despreocupação.
Pois eu fui a uma festa assim dia desses. Se eu gostei? Bem, estou aqui escrevendo este post, não estou?
Comecemos pelo convite:
Pai: olha aqui o convite que sua prima mandou pra você.
Eu: (analisando a foto impressa) a prima vai casar?
Pai: é o convite da festa de 15 anos dela.
Eu: ah... eu achei que ela estivesse vestida de noiva.
Pai: não, não está.
Eu: tem razão... com esse vestido ela parece mais um repolho.
Pai: ...
Segurando o convite azul e dourado (era bem brega) nas mãos, eu pensei: "lá vem merda." Devia fazer um ano que eu nem via a guria... E a família toda ia estar lá. Pensei de novo: "lá vem merda".
Dizia ainda no convite "traje: passeio completo". Porra, como assim? Sabem onde eu moro? No Ceará! O Ceará está compreendido numa faixa climática conhecida por sertão nordestino. Qual a principal característica dessa região? É quente pra caralho... Ainda mais no final do ano! E agora eu ia ter que me tacar dentro de um paletó pra ver a minha prima gorda e estrábica acenando pra uma câmera e cortando um bolo de isopor. Legal, né? Pois é.
Vamos lá. Festa marcada pra nove horas, num "bifê" longe pra caralho da minha casa. Já comecei a ficar puto a partir daí, mas tudo bem... Era minha priminha, e talvez merecesse esse esforço.
Na entrada da festa, mesinha pros convidados deixarem os presentes. Na verdade isso serve pra fazer os coitados passarem vergonha, já que você tem que entregar aquele presente de 1,99, enrolado num papel de presente horroroso, pra uma recepcionista que pergunta seu nome. Assim a aniversariante vai poder saber quem foi o canalha que deu aquele perfume Tati ou aquele porta-jóias cafona. Aliás, a quantidade de embalagens de perfumarias era impressionante... Ela deve ser muito fedida. O aspecto mais legal é que eles filmavam essa entrada. E eu lá, entregando o embrulho com a minha habitual cara de bunda, típica de quem não quer olhar pra câmera, mas não sabe o que fazer. Bom, ela nunca vai saber quem deu aquele livro tosco que ela nunca vai ler, pq dei um nome falso pra recepcionista.
- Krash, como você é imaturo.
Não me diga que você não faria o mesmo. Certo, às nove e meia entramos no salão. Família toda reunida falando mal dos outros. Minhas tias todas fingindo que se importavam sobre como estou, ou onde estou estudando... Aquela conversinha mole rolando, e comida que é bom, nada. Acho que meus tios pagaram o pacote mais barato do "bifê", e a comida só iria sair quando a turma estivesse realmente com fome... Maaas, depois de uns quarenta minutos os garçons começaram a servir coisinhas.
Às dez e meia, depois de me "empanturrar" com a "comida farta" do lugar, fiquei sabendo que iria começar o cerimonial. Me animei, pq eu estava mesmo precisando rir um pouco.
Como meu tio não deveria querer gastar mais ainda contratando alguém pra apresentar as coisas, ele mesmo decidiu ser o show man. Ele tem talento... A globo deveria parar de gastar com o Faustão e contratar meu tio. Sério. Eu ri muito.
Primeiro ele agradeceu a presença dos convidados e trocou o nome da aniversariante. Duas vezes. Isso é normal quando se tem muitos filhos pra se preocupar... Mas a minha prima é filha única... O que me fez pensar se ele não mantém uma segunda família. Ele continuou dizendo que era muito emocionante ver a garotinha dele se tornando uma mulher, e que daqui a algum tempo a veria saindo de casa. Pensei "porra, ela tá fazendo 15 anos... Não vai pegar o carro e se mandar pela estrada." Então ele anunciou a apresentação de algumas "cenas importantes" da vida da filha.
Durante uns 20 minutos, um telão exibiu fotos diversas da guria, sob a narração empolgada do meu tio. Ela comendo papinha... Ela no penico... Ela com o cachorro que morreu... Ela no programa da Xuxa... Ela de biquíni ("liiinda") na praia... Ela fantasiada de cigana no carnaval... Ela imitando a Carla Perez no colégio... Ela dançando funk... Enfim, vocês entenderam. Senti falta de alguma foto que a mostrasse chegando bêbada em casa, mas acho que meu tio não quis compartilhar esses detalhes com o resto dos convidados.
Depois disso, foi anunciada uma "pequena benção" a ser dada à aniversariante. Todo mundo em pé, ouvindo um padre estrangeiro passar meia hora pedindo a Deus que iluminasse aquela garota. No final, o padre foi dar um abraço de despedida e acabou abraçando a minha tia. Ou ele estava de porre, ou era meio cego... Mas tudo bem, de que importam esses detalhes, não?
Lá vem meu tio com o microfone outra vez... Leu um poema daqueles que recebemos por e-mail (de "autor desconhecido"), e falou aquela baboseira já esperada:
"Sara Rafaella (não riam, é o nome da minha prima),
aura cintilante, pureza de menina e olhos de mulher..."
Depois teve uma representação em que ela segurava uma boneca (horrível, parecia uma boneca voodoo), e a deixava de lado, recebendo um sapato de plástico (acho que era pra fingir que era cristal)... Isso tudo foi terminar meia-noite. Eu já estava suado, cansado de ficar em pé, impaciente e morrendo de fome. Ou seja, eu estava adorando a festa.
Aí veio a melhor parte...
- A comida?
Não, a valsa! A banda errou mas conseguiu improvisar uma daquelas bem manjadas. E minha prima lá, toda empolgada. Dança com o pai, com o avô, com o padrinho, com os tios, com o namorado... E, é claro, com os primos!
Tio: vai lá, krash... sua vez.
Eu: eu?! não vou dançar não.
Tio: vai sim!
Eu pensei em fingir um ataque epilético, pra me livrar dessa situação agradabilíssima... Mas não teve jeito. E lá fui eu: dois pra lá, dois pra cá.
Prima: Krash, você veio.
Eu: (tentando não ser cínico) claro, não poderia deixar de comparecer.
Depois desse suplício, os convidados voltaram às mesas, pra que a aniversariante e os pais fossem cumprimentá-los. Claro que ela não queria fazer isso... Mas tinha que ser filmado. Depois de rodar o salão distribuindo beijinhos e recebendo abraços, ela pára na minha mesa.
Eu: Parabéns.
Prima: Brigada... Aí, primo! Tá mó gatão, hein?
Eu (bem sério): Você também está muito bonita (nesse momento, inexplicavelmente, me veio à mente a imagem de uma gigantesca couve-flor).
Finalmente chegou a hora do jantar. Ao contrário do que eu esperava, não estavam servindo estrogonofe e batata frita, que é o "kit aniversário". A comida até que era boa. O foda é que eu sou muito envergonhado pra essas coisas... Quem me conhece acha que eu como pouco, mas a verdade é que eu odeio pegar fila com o pratinho na mão. Sério, eu me sinto ridículo. Por mais que eu esteja (e eu estava) azul de fome, faço aquela cara de desprezo tipo: "não estou com muito apetite", e faço uma mini-refeição. Ocasionalmente, nem todos são assim. E aquele parecia um jantar comunitário na Etiópia... A quantidade de gente desesperada pra comer era incrível. Era bizarro ver aquele monte de mulheres de vestido longo e laquê no cabelo quase se esmurrando pra pegar um pedaço de pernil. Gente chique é outra coisa.
Enquanto isso a banda tocava aquele repertório já conhecido por todo o Brasil... De flashbacks dos anos 60 e 70 como "estúpido cupido" e coisas do gênero até Lulu Santos e Rouge. E a molecada lá, dançando freneticamente. Ao passarem por mim, duas pirralhas comentavam que "a festa tava bombando".
Depois disso eu cheguei à conclusão de que era hora de ir. Me despedi dos meus tios e da minha prima, que havia trocado o vestido e estava parecida com um botijão de gás, quando você coloca uma daquelas capinhas de plástico em cima.
Na volta pra casa, eu ainda parei num posto de gasolina pra comer um sanduíche. E enquanto comia pensei que se um dia eu tiver uma filha, e ela vier me pedir uma festa de debutante, vai levar uma surra.
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